Dois poetas convictos perdidos na cidade-diagrama

Hoje lhes faço um convite para ir à lua, cuja falta de gravidade nos permite uma coreografia leve, desensaiada e, por vezes, sufocante.


Tito de Andrea abusa das palavras, desnorteia as frases, busca o caminho do excesso, becos-sem-saída, palavras criadas para não dizer, tripudia a nossa cuca mas sempre nos leva ao céu, numa ascese pagã, que nasce e morre na linguagem. O poeta, por mais que se esconda por outras camuflagens, é quase sempre monotemático (diria até monomaníaco!): seu amor é deus, sua linguagem é deus, sua ideologia é deus. E mesmo negando a deus está sempre a reinventá-lo. Um deus barroco, de uma calmaria fumarenta, que persegue uma expiação autofágica. Tito de Andrea é o meu blake-a-tiracolo-versão-mp3, e fortaleza é nossa jerusalém revisitada, murada e travestida; uma comunidade virtual construída com as pedras da lei e os tijolos da religião; um amontoado enganador que profetiza o caos e que, como satã, encarna a energia e a liberdade. Uma babilônia imberbe, uma cilada de desencontros, uma sarjeta grávida de cactos e impossibilidades. A poesia de Tito de Andrea é uma cidade-deus-satã, um réquiem árido reaprendendo a amar a própria chaga...

Uirá dos Reis tateia o vazio como quem já disse tudo. Poesia incorporal, revela-se na sensação do inexprimível. Sabe que as palavras não abarcam e brinca com o peso lúdico da tragicidade. Escuro, lembrança, saudade, memória, mistério, invisibilidade... O poeta é paixão imagética e convicta, é melopéia sinestésica, é irascividade e ternura... Por certo, Uirá dos Reis e Tito de Andrea irão se esbarrar nessa cidade borralheira, de abas expostas... Dois poetas convictos perdidos na cidade-diagrama... Mas Uirá degusta cada bueiro-labirinto, cada paisagem de improviso, cada horizonte dilatado. Ama sem certezas e se apaixona por cada transeunte anônimo, sem pressa desesperadora, pois é preciso morrer todo dia para compreender a vida; é preciso vigiar a lua cheia em meio à cinza; é preciso ter prazer em alimentar os vermes, pois nunca se sabe quando virá o último poema... nunca se sabe...

Washington Hemmes
For, 29 set 2011

Um comentário:

Tiago Castelo disse...

Após ler esta postagem, fui pesquisar "Tito de Andre" no google.com; Li com uma sede completa as palavras dele, que me remeteram à escrita de Lavoura Arcaica, do Raduan Nassar. E depois me perdia, entrando no que as palavras formavam. Fiquei maravilhado com a habilidade dele com as palavras, rápidas, e me identifiquei. Imaginei: a dor da própria carne sendo cortada. A loucura é isso: longa, com palavras afiadas e por vezes chata. A loucura não vem pra agradar, e mesmo assim, digamos que gostei - ou nem isso, talvez eu não tive escolha a não ser gostar - da loucura desse Tito Andrea. É contraditório, mas taçlvez o "gostar" que me refiro seja a identificação com o que li. Senti-me exposto e levado. Adorei. Mesmo. Obrigado por esta postagem, foi o meio que me fez conhecer ele. Queria qualquer dia conhecê-lo pessoalmente mesmo.