VIA-CRÚCIS (16-20 de junho): sequência de ações em pontos diferentes de Palmácia/CE, cidade natal dos meus pais e avós e onde vivi minha infância. Trata-se de um escambo metafórico entre a infância e a vida adulta, o passado e o presente, a construção de uma memória futura... Um exercício auto-biográfico de resgate e abandono, para seguir adiante... Uma simbologia estética, não mística, o que talvez dê no mesmo... talvez não.
ESTAÇÃO 1: Sendo tentado
– Pedra do Bacamarte (Basílio)
O Basílio é o sítio onde nasceu meu pai. Lá se localiza a Pedra do Bacamarte, o ponto mais alto da cidade de Palmácia, de onde se pode ver todas as cidades circunvizinhas, inclusive um pedaço do litoral de Fortaleza, lá longe no horizonte. Vou trilhar o caminho até o alto da Pedra, contemplar vagarosa e demoradamente a paisagem. Respirar fundo e esvaziar a mente. Vou engolir um grito e silenciar.
ESTAÇÃO 2: Carregando o peso do mundo
– Cruzeiro (Torre da Lua)
A Torre da Lua é um monte alto em cujo topo está uma grande cruz de madeira, vista de todos os pontos da cidade. Ao longo da trilha, há estacas que sinalizam as estações da via sacra. Vou trilhar o caminho em silêncio até o topo do Cruzeiro e, a cada “estação”, vou colar uma foto de uma fase diferente da minha vida. Lá em cima, vou admirar o álbum vazio. Em seguida, sem nunca olhar para a cruz diretamente, vou vislumbrá-la através de um espelho, no qual vou “captar” a sua imagem e guardá-lo dentro do álbum.
ESTAÇÃO 3: Encontrando sua Mãe
– Cemitério São Francisco de Assis
Nesse Cemitério, estão enterrados muitas pessoas queridas, dentre elas, meu pai, meu avô e minha avó. Todo ano, volto ao cemitério e nunca encontro o túmulo da minha avó, que foi minha primeira mãe e que muito me influenciou. Não fui ao seu enterro mas sei que ela foi enterrada com um xale prateado com o qual ia sempre à missa. Vestirei um xale e passearei pelo cemitério em busca do túmulo da minha avó. Se encontrá-lo, deixarei o xale no local, junto com um poema que escrevi para ela aos 15 anos. Se não, deixarei o xale na Casa das Almas, onde acenderei uma vela e queimarei o poema.
ESTAÇÃO 4: Sendo consolado
– Casa dos meus avós (Beira Só)
Além de minha avó, tinha outra “mãe”, a Maria, uma babá que me punha pra dormir. De minha avó, aprendi clássicos do rádio, samba-canções e marchinhas e também os benditos religiosos; da mãe-preta, aprendi as canções de ninar. À noite, nu e no escuro, vou preparar uma comida simples e comê-la sentado no janelão da sala, olhando pra baixo da ladeira. Em seguida, vou armar a rede, me balançar e deitar cantando baixinho as cantigas aprendidas de minhas mães, até adormecer...
ESTAÇÃO 5: Se despojando e Renascendo
– Cachoeira do Oratório (Canadá, divisa de Palmácia com Redenção)
Vou acordar bem cedo e caminhar quase duas léguas até o Oratório, fazendo uma pequena parada na Timbaúba, sítio onde nasceu minha mãe. Já no local, vou subir a pedra mais alta, me despir, tirar a barba e o bigode, raspar a cabeça, as axilas e a púbis, me agarrar ao espelho no qual está “guardada” a imagem do Cruzeiro, pular na água, nadar até a gruta, abandonar o espelho e me libertar do grito retido desde o início. E nadar, nadar, nadar...
Obs.: as imagens do meu percurso poderão ser contempladas em meu álbum de espelhos...
o que persigo
se dispersa
no percurso
ao final
retorno
e me recolho
washington hemmes
Um comentário:
wosh: ao lançar olhos sobre tua poesia, ocorreu-me um pensar biológico. da tua ancestralidade, seiva bruta a alimentar por vasos do xilema toda uma série de rebentos em flor e fruto. hoje, copas frondosas pingam gotas de seiva elaborada por vasos abertos e pulsantes do floema. um fluxo-floema-xilema contínuo. vasos intra-comunicantes sempre em percurso, sempre em processo.serra e mar. braço e boca do dianton
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