Quando um dia me fizeram de peça de xadrez em um espaço cênico, recebi um xeque-mate e nunca mais me recuperei do efeito devastador da atuação de Bruno Lobo no espetáculo Alice. Turbilhão: não sobrou peça sobre peça. Uma rainha desvairada e ardilosa de um histerismo quase pueril. O impacto mnemônico dessa imagem apagou todo o resto. Não sei do que tratava a peça (afora o referencial clássico!) nem para onde foram as outras personagens. Todo o foco de atenção havia sido direcionado a uma energia de expressividade sem par. Caí de amores pela força imagética da Rainha de Copas, ao mesmo tempo lúdica e lunática. Eu me fiz de Alice e recriei meu próprio espaço-tempo. Ofereci minha cabeça em sacrifício e o coração teimou em pegar carona...
Bruno Lobo é desses artistas que se divertem no palco. Cada palavra, cada gesto é desdobrado com tal intensidade que nos contagia o corpo e o espírito. Em Muliéres, como não poderia deixar de ser, sua verve lúdica vem mais uma vez à tona. A puerilidade é, todavia, recheada por uma crueldade geminiana. Ator lunar: nunca é raso, nunca é óbvio. Explora o prazer de ser cruel e a ardilosidade de ser infantil. Se diverte. Nos diverte. Revela até mesmo as imaturidades de aprendiz, mas sem perder o gozo do aprendizado.
Micha Bórkin, da peça Ivanov, é outro importante papel da promissora carreira de Bruno Lobo. Mostra como, em tão pouco tempo de palco, o ator dá conta de uma das personagens mais intrigantes de Tchecov, que remonta à tradição de transfiguração do bufo na esperteza interesseira do homem moderno, uma mescla do Falstaff de Shakespeare com o Tartufo de Moliére, que o próprio Tchecov retoma – sob outro ângulo – na figura do espirituoso Solioni d’As Três Irmãs. Parece que a personagem foi escrita para a atuação de Bruno Lobo. Ele se apropria da personalidade de Bórkin com tal precisão e intensidade que muitas vezes obscurece a figura apática e melancólica da personagem protagonista. Ele é o antípoda de Ivanov: cheio de euforia, argúcia, lascívia, impulsividade... de vida, enfim!
Para Bruno Lobo, “Bórkin é um grande blefe”! Eu diria que ele é o coringa mordaz, o que se faz de bobo, o jokerman a quem tudo é permitido dizer e fazer. Suas atitudes e palavras revelam verdades e vilanias com um cinismo todo especial que incita a trama e recheia a peça de sarcasmo e complexidade. O apuro técnico do ator, alcançado sobretudo no domínio das várias possibilidades vocais, projeta o maquiavelismo jocoso de Bórkin ao interior de nossos tímpanos bem-comportados e sua gestualidade acurada faz do espaço cênico um lar-doce-lar tão confortável quanto ameaçador. O ator, seguro de sua arte, pode livremente se entregar à paixão do papel. Porque possui aquilo com que transmitir, na medida do justo, a sua emoção. A técnica bem assimilada autoriza todas as audácias. É a base sólida em que o ator se firma e que garante na atuação o equilíbrio entre a inteligência e a sensibilidade.
Que me perdoem os anêmicos, mas paixão é fundamental!
washington hemmes
fortaleza, 12.06.2011
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