BATE-PAPO ANÔNIMO


Anônimo é o que não tem nome, digo, é o cujo nome se desconhece. A ignorância é anônima. O descaso é anônimo. O abandono é anônimo. Anônimo é o inominável, não pela impossibilidade do rótulo, mas pelo mistério do ato. O ato de criação é anônimo, não pelo desconhecido, mas pelo imponderável. A vida é anônima, não pela insignificância, mas pela singularidade.

Anônimos é o espetáculo teatral de Sidney Malveira, feito às pressas, num jorro, como as vidas das pessoas retratadas, anônimas, não pela vulgaridade, mas pelo instante sem escapatória. A vida vivida no limite da impossibilidade. Limites que se revelam como humanidade, como desafio. É preciso correr riscos. Riscar do palco equilíbrios e certezas. Buscar o instável, o indefinido...

Anônima é a simplicidade, não por ser simplória, mas por ser precisa. Cenas veladas por lençóis encardidos de tanta vida, tanta!, enxaguados, torcidos, enrugados e varados ao sol. Sol como luz, energia. Sol como sim à vida, mesmo na expectativa da morte. Anônima é a velhice. Não, não, nem tudo é morte e sofrimento. Há alegria na vertigem. A queda é o clímax da liberdade. Enquanto não se atinge o fundo, é sempre boa a sensação de estar caindo: o desprendimento, o vento na cara. Cair para cima é ter ar quente nos pulmões. Respiração ofegante, não por deficiência, mas por ansiedade. Ânsia de vida presente. Anônimo é o passado, não pelo esquecimento, mas pela trajetória. Trajetória de vida.

Anônima é a mimese – imitação de vida! A vida não se encontra nas novelas e programas de televisão supostamente realistas. Não, não, aquilo não é vida! É fake, embalagem sem conteúdo! Não interessa a lágrima ensaiada ávida por audiência. Importa a lágrima da audiência diante da vida ensaiada. Não fingida, mas transcriada; não falseada, mas descoberta e revelada; não caridosa, mas compartilhada.

Bravos ao Sidney e aos seus desdobramentos! Amar é sair de si e ir ao encontro do outro. Quando isso acontece, o eu se dilata e se distingue pela completude. O maior ato de amor de um artista é a sua arte. Ela não vai tirar ninguém do anonimato – ainda bem!!! – mas vai, por certo, dar nome à minúcia, ao detalhe, ao corriqueiro, ao dia-a-dia. Bravos ao Sidney por celebrar o cotidiano, esse deus crônico e inexorável, que engole o tempo e regurgita a vida.

Há tempos eu não batia um papo tão gostoso!


para o Sidney – pela delicadeza!


(autor anônimo)

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