Após tanto tempo cruzando a vida elas se encontram agora no escuro de si. Tateiam o espaço e se sentem vagando sobre o nada. Como o Amor de um homem. Como se ali estivessem desde o sempre da paixão. O vazio. O que seria aquele escuro que lhes saía por entre as pernas e inundava o derredor? Ela grita. Ela grita. As duas se percebem e dançam no espaço para se tocar. Você quem é? Me chamo alguém mãe de Urânia. Me chamo pessoa mãe de Catarina. Nossos passos já se cruzaram pelo antes? Não mas nossos rebentos se tocaram até o frio. O que fazemos aqui nós? O que faço aqui eu? Não sei o que você faz aqui mas lembro dele em casa a dizer que lia sobre o não-corpo... artes de Belzebu o não-corpo. O que é não-corpo? nunca me falaram sobre ele em meus interiores! Dizem que é o que somos... o não-corpo... coisas de quem governa o mundo e mete besteiras na mente das crianças tolas... lembro que dizia isso para ele e ele ria ele. Ele ria. E dizia que a Palavra era perdida do hebraico para o Francês até se empobrecer nessa língua de caboclos. Então joguei com força a Palavra de deus em sua direção e sua cabeça avermelhou e ele caiu sem rir. E eu caí... sem vê-lo mais e sem pedir perdão por ele ao pai. Não lembro de mais nada. Só que estou presa aqui.Ela grita seu nome. Ela ouve em silencio enquanto ela grita. Eu também não sei o porquê estou aqui. Estava com ele em casa. Ele veio me visitar como faz todo ano sabe? Eu estava aberta para ele me arrancar as merdas. Ele faz isso rindo e eu o chamando de maldição-de-ventre-meu. E ele também ri. Decerto por isso se encontraram os meninos. Dois risonhos. Ele então atendeu um telefone falando de partidas... desencontros e matanças... fogueiras e inquisições... desamor e paixão... tudo isso ao telefone... mãe e filho mortos os dois. Ele desligou o fone se dirigiu a mim e me arrancou a merda sem me olhar. Perguntei-lhe o que havia filho. Onde estava seu brilho mas ele nem me olhava matando-me com seu silêncio. Quem partiu filho meu? O amor mãe! O nome deste mundo! O homem que me nominava! Quem dominava filho? O amor mãe! Eu chorei olhando aquele menino desabado descabido em sua dor! O que teria havido? Agora ele chorava chorava e se enrodilhava no chão. Depois levantou recolheu-se a si e se foi para o cômodo que lhe ocuparia. Lembro-me disso e de seu perdido olhar por dias a fio. O tempo não passaria daí em diante. Mas eu não o mataria por nada! Lágrimas corriam-lhe pelos olhos enquanto vicejava o ar criando flores. Pesava-lhe a não-lembrança dos acontecimentos que a levaram até o vazio de si. Ela gritava seu nome. Ela chorava os vazios do dia. Onde eles estariam em suas dores? Alguém mãe de Urânia me responda por favor: existe um mal em amar? Pessoa mãe de Catarina estou tão vazia quanto você. Nosso vazio se faz nossa realidade. Sempre se fez. Quando parimos aqueles que nos deram dor. Quando escolhemos aqueles que nos fizeram parir a dor. Quando embalamos a dor em nossos colos em nossos seios rachados. Desde ali fazíamos nosso vazio. Alguém mãe de Urânia o homem que me fez rebentar a Dor me traiu durante uma vida. Isso não é suficiente? Pessoa mãe de Catarina rebentar uma Dor de um homem que me não escuta já não me bastava? Onde acaba o vazio? Ela grita. Onde acaba o vazio? Ela grita. Em seus gritos uma centelha meia-luz na treva. De onde vem a luz em nossa treva? É a grande fome da luz?
Que vazios são estes alguém mãe de Urânia?
Onde está você agora pessoa mãe de Catarina?
Não nos afastemos. Não nos afastemos. Lutemos juntas choremos nossas dores juntas.
A luz se entrevou ou sumiu a treva? Não sei eu. Sei que a luz devorou meu tempo. A luz abocanhou meu braço. Como criarei flores no ar? Alguém mãe de Urânia o que aconteceu ao menino atingido pela Palavra? Encontrou ele a verdade? Existe outra verdade para além da morte pessoa mãe de Catarina? Sei que ele caminhou sozinho para a morte enquanto meu rebento caminhou com a dor vida adentro e agora não estou lá para dizer que pior é a merda dentro de si. A merda dentro de si dói mais que o amor. Agora não posso dizer: ponha o dedo em seu túnel que ele perfurava e veja se ele está Lá dentro. Sinta-o. Ele chorava a me dizer: não mãe ele não se encontra aqui ele se foi para o sempre antes que nosso sempre acabasse. A maldita Palavra o levou. E eu lhe dizia da merda de novo mas ele não entendia o que é ter merda encravada na carne que grita outras fomes. Agora estou aqui com a autora da Palavra. Pessoa mãe de Catarina porque atirar-lhe a Palavra? Para que ele entendesse o que não entendia...para que ele fosse levado pela luz... para que ele não conhecesse minha treva... para que meus grandes-negros-lábios não o lançassem no negro escuro de onde havia saído... para que se libertasse da luz que um dia me corrompeu. Ele tinha o que eu não possuía: um corpo perguntante e um coração que duvida o grito. Mas nunca me gritou isso na carne. Alguém mãe de Urânia agora sei que sempre criei a treva. É pela vagina molhada e preenchida de um homem que me fez tão infeliz que criei a dor do mundo. Que a tornei ser. Que incorporei a dor. Sou mãe-da-dor. Sou mãe-da-dor. Pessoa mãe de Catarina não chore assim que a luz nos devora o resto de sofrimento que nos dignifica a dor de nos sabermos mães-da-dor. Também o sou assim. Também me dei ao homem que não me ouvia e eu o bendizia enquanto gozava no quarto pobre. E eu o bendizia esperando-o em prantos até o irmão me levar para junto daquele homem. E eu num quarto chorando com as dorezinhas que eu lançara no mundo... agora sei também... demos forma à dor... agora sei que não é a dor-de-ser... agora sei que é ser-a-dor... o que faremos se o pranto não cessa? O que faremos para matar tanta dor no mundo? Devemos juntar as dores? É isso o amor... a junção da dor que se alastra pelo mundo criado pela boca da fêmea parideira que engravidou do deus... essa boca burra... essa boca banguela... essa boca babaca... essa boca.
O que há
?
Alguém mãe de Urânia? O que nos afasta? A luz nos volta?
Pessoa mãe de Catarina...
Acho que o deus...
O deus...
O deus... o grande s i l ê n c i o...
O grande silêncio? De que está falando? Aquele?
A palavra é amor... vida escorrendo pela página encorporando o som... travestimento do sentido...
O grande deus nos afasta ... o grande silêncio que se fez corpo... nos afasta ... a luz é o descanço... o silêncio vem da luz ...
O repouso para continuar. O antes. O entre-palavras.
Deixe-se levar pelo deus... pelo silêncio... pela luz...
Pela brancura da folha da vida da fonte da gosma branca que nos forma... secreções que nomeamos : sentimentos...
Sem entendimento? É isso que você me diz? Sem entendimento??
Deixe-se levar deixe-se levar deixe-se voar deixe-se amar deixe-se possuir pelo deus...
Até um dia...
Na treva ou na luz... até um dia... que os filhos amarão de novo e de novo sofrerão... e de novo lhes atiraremos a Palavra...
E se deus é aquele que cria,
nomeio-me deus... ainda que por isso me destrua,
ainda que não me saiba em
minha noite escura e por ele grite:
DEUS!
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