VÔO...

 

 –        Vai ficar bom, Seu Aldair. Vai ficar bom...
          Vou... vou... – ruminava em monossílabos envelhecidos pelo cansaço.
A enfermaria lhe era um espaço familiar. Conhecia-lhe cada leito, antigos pacientes, enfermeiros. Todos o tratavam como a um patriarca, sábio em suas poucas palavras.
        Vou... vou...
        Se Deus quiser! – emendava a enfermeira, em ritual quase hipnótico que atraía todos a ecoarem em ladainha:
        Se Deus quiser!
Ele permanecia imóvel, olhos no teto. Percebia-se, no entanto, que seu olhar ultrapassava o velho gesso encardido de tempo e de dor, na tentativa de atingir algum ponto-além, uma libertação indefinida.
Adoecera da vida, da fadiga de ser, da monotonia da incompreensão. Incompreendera-se da vida.
        Vou... vou...
E já voara, antes mesmo do coro repetir o tédio da insistência.

WASHINGTON HEMMES

(Fortaleza, Hospital N. Sra. da Conceição,
Enfermaria 1, 25.01.00, 6:45 a.m
Meu pai, Chico Menezes, voaria no dia seguinte).